Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou ao Caribe para participar de dois importantes eventos regionais. Além dos discursos oficiais, o presidente do Brasil tem usado essas viagens para chegar a países que o Brasil tem evitado nos últimos anos.
Sua primeira parada foi na Guiana. Lula discursava na cerimônia de encerramento da 46ª Conferência de Chefes de Governo da Comunidade do Caribe, conhecida como CARICOM. Lula conheceu o presidente da Guiana, Irfan Ali. Durante o discurso após o encontro, os dois líderes falaram em estreitar laços e estabelecer cooperação em áreas estratégicas.
O crescimento fenomenal da Guiana também é motivo para a reaproximação. Em 2020, o país registou um PIB de 5,5 mil milhões de dólares. Três anos depois, a Guiana terminou com um PIB de 16,3 mil milhões de dólares em 2023. Até 2026, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o país atingirá 27,9 mil milhões de dólares por ano. Estas perspectivas aumentaram nos últimos anos devido à descoberta de reservas de petróleo na Guiana.
Com isso, o governo brasileiro passou a promover relações comerciais mais estreitas com seus vizinhos do norte. Segundo Denilde Oliveira, professora de Relações Exteriores da Escola Avançada de Propaganda e Marketing (ESPM), o rápido crescimento econômico da Guiana abre oportunidades de negócios para as indústrias brasileiras.
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“Considerando o crescente crescimento da Guiana, haverá mais consumo. A Guiana também está próxima de uma zona de industrialização – Manas – que permite a exportação de bens industriais. Embora pequeno, também abre a possibilidade de expansão das economias da CARICOM, dado o histórico das exportações brasileiras para esses países. Mas também há zonas de serviço e outras possibilidades», disse ao Brasil de Fado.
Segundo ele, o Brasil vê essas relações de um ponto de vista estratégico, uma vez que a região já possui parcerias com países europeus, Estados Unidos e China. “É natural que o Brasil se posicione como país parceiro – e estar próximo regionalmente facilita o processo”, disse Oliveira.
Um dos temas discutidos pelos dois presidentes foi a cooperação em infraestrutura com foco na integração regional entre os dois países.
Hoje, a principal estrada que liga o Brasil à Guiana fica entre Boa Vista (capital de Roraima) e o porto de Georgetown, capital da Guiana. No entanto, grande parte desta estrada ainda não é pavimentada. Para Denilde Oliveira, a aproximação entre os países pode, neste momento, trazer oportunidades para projetos que ampliem a integração.
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“O Brasil tem fortes relações com os países da América do Sul e está aumentando a integração em infraestrutura – e o Norte do Brasil carece disso. Portanto, é necessário incluir essa integração física na política externa por meio da implementação de projetos de infraestrutura. na América do Sul, mesmo com pequenos parceiros. “Isso nos coloca em condições de retomar as operações. É um triunfo do potencial para a política externa”, diz ele.
Roberto Goulart Menezes, professor de relações exteriores da Universidade de Brasília (UNP), alerta que apesar do crescimento projetado do PIB da Guiana, o petróleo do país está sendo tomado por empresas norte-americanas.
“A Guiana está crescendo rapidamente. Mas essa descoberta foi feita pela ExxonMobil. Portanto, precisamos saber como essa riqueza extraída será distribuída. Se essas empresas americanas extrairem como qualquer outra mercadoria, elas tirarão toda essa riqueza. Portanto, o PIB nominal em Guiana e muito. Haverá um rendimento per capita mais elevado, mas isso não mudará o bem-estar das pessoas”, disse Menez ao Brasil de Fado.
Posteriormente, Lula viajou a São Vicente e Granadinas para discursar na abertura da Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (SELAC). Em seguida, ele se encontrou e conversou com o presidente venezuelano Nicolás Maduro.
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Em ambos os casos, Lula reiterou um dos seus maiores objetivos no seu terceiro mandato presidencial: retomar a liderança do Brasil na região.
Falou também sobre a importância da integração regional e disse que era importante discutir temas como a reforma da governação global e o combate à fome e à pobreza.
Segundo Menezes, esta aproximação com os países caribenhos teve um efeito positivo no governo, não só do ponto de vista da integração económica, mas também considerando a interpretação política com estes países nas organizações internacionais.
“Desde 2023, o Brasil vem reinventando sua política externa. Ao visitar a Guiana, o presidente Lula busca contribuir para aumentar a integração política entre os diversos países da região. A presença de Lula no Caribe transmitiu a mensagem do Brasil durante seu mandato como presidente do G20 financeiro. Afinal, a Celac é um fórum político porque não tem a América. Assim, as posições nas instituições multilaterais podem ser coordenadas, a forma como votam na ONU, no Banco Mundial, na Organização Mundial do Comércio”, disse Menez.
Segundo Reginaldo Gómez, professor de história da Universidade Federal de Roraima, as negociações entre Brasil e Caribe, embora positivas, sempre foram distantes. Um exemplo disso é a relação entre a Guiana e o Brasil. Gomes diz que o intercâmbio sempre se baseou principalmente em embaixadas.
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“Paradiplomacia [foreign affairs led by cities and states] Estava a nosso favor [Brazil], por meio de fóruns de discussão e reuniões com empresários do Brasil, Guiana e Venezuela. Aqui na fronteira temos consulados brasileiros, diplomatas que negociam essas questões sem a participação do Itamaraty”, afirma.
O analista considera a presença de Lula na região tão importante quanto o Brasil, apesar de não ter presença histórica no Caribe, demonstra preocupação com o futuro da região.
Arbitragem da disputa de Essequibo
Durante a viagem, Lula deveria conversar com Irfan Ali e Maduro sobre a disputa por Ezequibo. A posição do Brasil como mediador regional foi um dos objetivos do presidente durante a viagem. Brasília já sediou conversações entre representantes da Guiana e da Venezuela, e Celso Amorim co-organizou um diálogo entre chefes de estado em São Vicente e Granadinas. Mas a participação direta de Lula ainda era limitada.
A única menção de Lula ao conflito foi com Irfan Ali. O presidente brasileiro disse que agradeceria pessoalmente ao primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonçalves, pela participação na disputa de Essequibo entre Venezuela e Guiana.
Segundo Denilde Oliveira, a ausência de declarações de Lula mostra que o assunto ainda não está encerrado.
“Mesmo a participação de Lula ainda não ganhou relevância suficiente para se chegar a algum acordo sobre a disputa. Dúvidas sobre a atitude do governo brasileiro sobre este assunto: como o Brasil irá efetivamente equilibrar os interesses. a política ainda tem alguns pontos, mas há reconhecimento internacional de que o Brasil pode usar essa liderança.“Embora não tenhamos visto os resultados, ainda há dúvidas porque a posição do Brasil em relação a Maduro não é clara”, disse ele.
Em Dezembro de 2023, os venezuelanos aprovaram um referendo governamental perguntando se concordavam com as decisões de Caracas sobre como lidar com a disputa territorial.
Com 160 mil km² e cerca de 120 mil habitantes, a região de Essequibo fica na fronteira entre a Venezuela e a Guiana e é disputada desde o século XIX. No entanto, após a descoberta de grandes reservas de petróleo na costa de Essequibo, aumentaram os atritos entre Caracas e Georgetown pelo controle da região.
Editado por: Rodrigo Durão Coelho