A classe política de Brasília está à altura de seus velhos truques. Uma década depois de um amplo escândalo de corrupção ter abalado o país, uma série de medidas recentes do Congresso e do Supremo Tribunal reacenderam as preocupações sobre transparência, responsabilização e impunidade no maior país da América Latina.
Na frente e no centro estava a chamada “Reforma Eleitoral”, liderada por Arthur Lyra, o Presidente da Câmara dos Comuns. A legislação, que foi aprovada na Câmara no mês passado e agora aguarda votação no Senado, foi vendida como simples mudanças e correções no sistema eleitoral.
Mas os detalhes contam uma história diferente. Se aprovado, o projecto de lei permitiria aos políticos divulgar as suas informações financeiras após as campanhas, em vez de como é actualmente exigido. Permite que os partidos utilizem fundos eleitorais públicos para comprar ou alugar carros, barcos e aviões, e pagar pela sua manutenção e combustível.
Talvez, mais importante ainda, possa permitir uma espécie de “compra de votos”. As regras atuais exigem que os políticos divulguem todas as pessoas contratadas para trabalhar nas campanhas. Mas ao abrigo da lei proposta, os políticos seriam autorizados a contratar pessoas através de agências de emprego sem revelar os nomes dos indivíduos.
“Os políticos usam essas empresas para legitimar todo tipo de pagamento durante a campanha”, disse Bruno Carrazza, professor da Fundação Dom Cabral. “Essa é uma medida antitransparência. Os políticos pagam aos cidadãos pelos seus votos e declaram que o dinheiro foi dado às empresas contratarem trabalhadores de campanha.
Juntamente com a reforma, o Congresso está a propor um “projecto de amnistia” que eliminaria centenas de milhões de dólares em multas incorridas pelos partidos políticos por não cumprirem as regras eleitorais sobre quotas para mulheres e candidatos não-brancos.
A associação do Ministério Público do país alertou que as leis duplas seriam “seriamente retrógradas” e “minariam a transparência da democracia brasileira”.
Adriana Ventura, uma das poucas legisladoras que votou contra a reforma eleitoral, foi mais direta: “O que estamos a falar aqui é de aumentar a impunidade para as pessoas que fazem coisas ilegais com dinheiro”.
Práticas eleitorais questionáveis não são a única bandeira vermelha. Uma série de ações dos juízes do Supremo Tribunal demonstraram que estes têm pouco ou nenhum apetite por investigações de corrupção envolvendo a classe política.
Gilmer Mendes, um dos 11 juízes do tribunal, suspendeu no mês passado uma investigação da Polícia Federal sobre um caso de suspeita de suborno envolvendo associados políticos do presidente da Câmara, Lira. O juiz disse que a investigação minou o direito de Lira como legislador de buscar imunidade no parlamento.
Mais ou menos na mesma altura, Diaz Toffoli – outro juiz de topo – decidiu anular uma grande quantidade de provas obtidas na investigação de corrupção da Lava Jato, ou lavagem de automóveis, que durou uma década. Mais tarde, ele ordenou interrogar os advogados que fecharam os acordos de confissão para obter as provas relevantes.
A investigação da Lava Jato, que durou anos, revelou uma vasta rede de acordos e propinas envolvendo milhares de milhões de dólares e vários políticos e empresários importantes. Muitos receberam penas de prisão e, na época, o julgamento foi visto como um combate à cultura brasileira de impunidade política. O Tesouro dos EUA chamou-o de “o maior caso de suborno estrangeiro da história”.
No entanto, o seu legado foi profundamente manchado por revelações de exageros do Ministério Público e preconceitos políticos, incluindo o julgamento do actual Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como resultado da investigação, o líder esquerdista passou quase dois anos na prisão. Sua condenação foi posteriormente anulada pela Suprema Corte.
Em sua decisão no mês passado, Toffoli repetiu pontos familiares de que a Lava Jato “desconsiderou o devido processo legal e agiu com preconceito”. No entanto, a sua decisão de desmantelar o inquérito há muito enterrado e colocar mais um prego no seu caixão enviou uma mensagem clara: os dias dos inquéritos independentes acabaram. Para os críticos, o tribunal é mais um sinal de que os ventos políticos estão soprando.
“Estamos em mais uma rodada de reversão de todas as decisões que abalaram o país durante a Lava Jato”, disse Caraza. “O establishment político já tomou muitas medidas para restaurar a sua posição e agora há outro episódio no Supremo Tribunal ignorando todas as provas”.
Um relatório da OCDE na semana passada disse que o Brasil precisava de “reformas fundamentais urgentes” na luta contra a corrupção, destacando o “nível limitado de aplicação”, a impunidade prevalecente e as ameaças à independência dos promotores em casos de suborno estrangeiro.
“O combate à corrupção não é mais um tema dominante na política brasileira”, disse Mathias Spector, professor da Fundação Getúlio Vargas.
“A ordem, por assim dizer, foi restaurada. Esta restauração reduz os poderes para investigar e processar políticos profissionais”, disse ele.
Mas acrescentou que isso se deveu às ações “questionáveis ou ilegais e com motivação política” da força-tarefa da Lava Jato. “Em última análise, causou grandes danos à política pura.”