O mercado de ações do Brasil está em sua mais longa expansão sem uma nova recuperação em pelo menos duas décadas. A seca está chegando ao fim para o maior mercado de ações da América Latina?
Pelo menos é o que se fala entre os banqueiros de investimento e gestores de recursos na Avenida Faria Lima, a versão brasileira de Wall Street.
Com a desmonetização interna e esperada em breve por parte de outros grandes bancos centrais, eles vêem condições para um renascimento das ofertas públicas iniciais na principal economia da região.
“Como o Brasil não realiza IPO há mais de dois anos, há uma demanda enorme”, disse Roderick Greenlees, chefe global de banco de investimento do Itaú BBA. “Espero que algo aconteça no primeiro semestre deste ano. Nosso cenário base é entre três e cinco IPOs em 2024.
Mesmo num cenário de desaceleração global dos IPOs, destaca-se a seca na bolsa B3 de São Paulo. Sua última estreia no mercado de ações foi em setembro de 2021, encerrando abruptamente uma corrida abundante de dois anos. O ano de 2021 foi um ponto alto para listagens, com R$ 65 bilhões captados em 45 transações.
Um factor-chave foi a abordagem precoce e agressiva do Banco Central do Brasil (BCB) à inflação, elevando a sua taxa de juro de referência de um mínimo histórico de 2% para dois dígitos durante a pandemia de Covid-19.
Os elevados custos dos empréstimos desaceleraram a mudança estrutural de renda fixa para ações por parte dos poupadores brasileiros. A incerteza política em torno das eleições presidenciais de 2022 também pesou sobre o otimismo. Agora, o mercado prevê que a taxa básica cairá abaixo do limiar psicológico de 10% este ano.
De acordo com observadores do mercado, a variável mais importante para o relançamento do IPO do Brasil é o momento e o ritmo do esperado início dos cortes nas taxas do Federal Reserve dos EUA.
Os otimistas veem outras razões como positivas. As fortes entradas estrangeiras no final do ano passado ajudaram o índice Bovespa local a atingir um máximo histórico, à medida que as empresas nacionais brasileiras recuavam das ações. De acordo com dados do LSEG, as ações brasileiras estavam no terço superior dos mercados emergentes, com um retorno de 34% em 2023, contra 10% do índice mais amplo FTSE Emerging All Cap.
No entanto, analistas dizem que as ações do país sul-americano estão relativamente baratas. Excluindo as grandes petrolíferas Petrobras e Minor Vale, as ações brasileiras são negociadas a mais de 10 vezes o preço/lucro futuro de 12 meses, abaixo da média histórica de 12,3 vezes, de acordo com o BTG Pactual.
A maioria dos fundos de mercados emergentes tem maior representação no Brasil e as posições aumentaram ao longo do ano passado, afirma Pablo Riverol, chefe de ações da América Latina na Schroders. “À medida que as taxas caem, é provável que o dinheiro dos investidores locais reflua para as ações, talvez acelerando uma vez na casa de um dígito”, acrescenta. “O mercado espera que isso aconteça até meados do ano, então a atividade de IPO poderá acelerar.”
No entanto, os investidores tomarão nota do fraco desempenho dos recentes floats. De acordo com a Nord Research, apenas 14 dos 69 ainda estão em negociação entre 2020 e 2021. Dadas as promessas do governo de despesas adicionais, existem também preocupações fiscais. O BCB disse que contas públicas sólidas são essenciais para manter as taxas baixas.
Eduardo Figueiredo, chefe de ações brasileiras da Abrdn, vê potencial para IPOs em setores sub-representados, como agricultura, tecnologia, saúde ou infraestrutura. Ele acredita que os investidores ficarão mais entusiasmados e preferirão negócios que já sejam rentáveis e gerem caixa. “Como o capital é muito caro globalmente, a disciplina provavelmente será maior neste momento”, diz ele.
Os compradores vão querer grandes emissões para garantir a liquidez das ações pós-IPO, diz Rafael Oliveira, gestor de fundos da Guiné com sede em São Paulo. “Foi um desafio significativo em muitas ofertas no ciclo 2020-21.”
O Itaú BBA estima entre 50 e 70 bilhões de reais em IPOs e outras emissões de ações, com 25 a 35 transações no Brasil este ano. Entre os candidatos à abertura de capital está a prestadora de serviços submarinos de petróleo e gás Oceânica Engenharia, que anunciou recentemente sua intenção de abrir capital. Os acordos subsequentes testarão o sentimento do mercado nas próximas semanas.
No entanto, com a queda da Bovespa até agora em 2024, as saídas líquidas de estrangeiros da B3 em janeiro e o real brasileiro ligeiramente mais baixo em relação ao dólar, as da Faria Lima ainda não se deixaram levar.
“Achamos que o segundo semestre do ano será agitado para IPOs. Será próximo da média histórica, excluindo 2020 e 2021”, disse Marcello Lo Rey, chefe de mercados de capitais acionários da América Latina do Morgan Stanley.